domingo, 25 de dezembro de 2011
Um Presente de Natal - 8º Capitulo (Final)
Íamos fazer uma apresentação no Hospital dos Veteranos — explicou Ruth Mora, motorista do microônibus, aos que se encontravam na sala.
Já tinha contado que era professora de uma igreja em Muriaé. Metade da classe encontrava-se ali. A outra metade seguira caminho, sem problemas.
Fernando olhou para o outro extremo do aposento, e, como se o tivesse ouvido chamar seu nome, Leonardo virou-se. Fez um gesto de cabeça, indicando que ambos haviam pensado a mesma coisa.
— Sabem — Leo começou a dizer, dirigindo-se à sra. Mora e às meninas vestidas de anjo —, não pude sair hoje por causa da chuva. E pensei que fosse passar o Natal sozinho. — Fez uma pausa, enquanto os Shepherd, os Dudat, Marta e Fernando concordavam com um aceno de cabeça. — Por que vocês não fazem uma apresentação para nós?
As meninas olharam para a professora, até que uma delas, Michelle, falou:
— O problema é que falta muita gente. Os meninos fazem os pastores, e dois colegas do quarto ano são João e Maria.
— Bem, nosso sobrenome, Shepherd, significa "pastores" — disse Walter. — Pois então seremos os pastores.
— E nossos nomes são parecidos com João e Maria. Além disso, estamos esperando um filho. Por isso, faremos o papel deles — acrescentou Marion Dudat.
Cinco dos anjinhos ficaram contentes. Menos Michelle.
— E quem serão o sr. e a sra. Herodes? — perguntou, olhando para Leonardo.
Fernando sorriu. Tinha de admitir que Leonardo Herodes soava bem. Muitíssimo bem.
— Seremos os donos da estalagem onde José e Maria se hospedaram — respondeu ele.
— Quanto a mim, serei a ovelha dos pastores — disse Marta, muito séria.
Aparentemente, o arranjo satisfez a lógica da menininha de sete anos. Porque Michelle sorriu e concordou.
— Durmam na paz dos céus.
Assim que o coro dos anjos terminou, Leonardo notou sorrisos suaves e ternos nos adultos. A apresentação natalina fora muito simples: a história de Cristo, segundo o evangelho de Lucas, ambientada com velhas e conhecidas canções. Sentiu que Fernando o tocava e o fitou, observando-lhe o sorriso quente e amigável.
Os anjos tiraram as asas, os halos e voltaram a ser meninas.
Famintas. Leonardo pediu licença e dirigiu-se para a cozinha. A casa podia não ter telefone nem eletricidade, mas alimentos não faltavam. Começou a reunir pratos e guardanapos de papel quando- ouviu passos atrás de si. Não precisou olhar para descobrir de quem se tratava.
— Você tem comida suficiente para quatorze pessoas? — Fernando perguntou, encarregando-se dos pratos e guardanapos.
— Quer ver?
Como resposta, ele começou a abrir as várias latas dispostas sobre o balcão. Havia mais de doze tipos diferentes de cookies, bolos, tortas, pães doces e bolinhos de milho. Depois, abriu a geladeira.
— Não acredito! — Fernando exclamou, rindo.
— Victoria não veio para casa. Por isso, há o bastante para todos.
— Compreendo — Fernando respondeu com um sorriso cheio de ternura.
Horas mais tarde, Leonardo voltava à cozinha. Agora que todos dormiam... os Shepherd no trailer; os Dudat em sua cama; Marta, na de Victoria; Ruth Mora no sofá; e os anjinhos sobre o tapete... poderia ficar um pouco a sós com Fernando.
Encontrou-o no meio do caminho. Ele voltava da sala de estar, onde fora verificar a estufa uma última vez. Mais um motivo para apreciar a presença masculina ali, concluiu Leonardo, que ainda não conseguira entender direito o funcionamento do aquecedor.
Tamale finalmente reapareceu. Leonardo percebera que o gato já tivera experiências... más experiências, diga-se... com crianças, quando o viu sumir à primeira nota cantada pelas vozes infantis. Agora, que tudo voltara ao normal, Tamale retornara, investigando os estranhos adormecidos na sala com um ar de felina desaprovação.
Uma das garotinhas mexeu-se e murmurou, dormindo:
— Papai Noel?
Fernando sorriu.
— Pena que não temos presentes para lhes dar.
— É verdade — Leo murmurou. Então, de repente, tomou-lhe as mãos e o levou até o corredor. — Ouça, tenho muitas meias velhas, e docinhos suficientes para enchê-las. Que tal?
Poucos minutos depois, sentavam-se à mesa da cozinha, com caixas cheias de doces, uma pilha de meias e um cesto de maçãs.
— Tenho um saco de amendoins e alguns objetos na caminhonete. Vou buscá-los. — Ao voltar, sorriu e acrescentou: — É melhor prepararmos duas meias com guloseimas também para nós. Senão as crianças podem ficar desconfiadas. O que você quer na sua?
— Hum... Uma laranja, alguns amendoins e chicletes. E você?
— Uma laranja, uma escova de dentes, amendoins e chicletes. Mas não de uva.
Assentindo com um movimento solene de cabeça, Leo lhe encheu a meia.
— Se queremos que tudo saia direito, precisamos embrulhar algumas coisas.
Deixou a cozinha e voltou, minutos depois, com um rolo de papel de presente, fita adesiva, tesoura e fitas coloridas. Eram quase duas horas da manhã quando colocaram as meias, com os respectivos nomes, sob a árvore de Natal.
Fernando observou-o abaixar-se sobre cada uma das garotinhas, ajeitando-lhes os cobertores. Era o pai que Lucas gostaria de haver tido. Sim, era um pouco tarde para isso, mas Leonardo poderia ser... e seria... o avô dos filhos que Lucas haveria de ter.
Separaram-se para ir ao banheiro, e tornaram a encontrar-se no quarto de hóspedes. Leonardo contemplou o colchão, com seus dois travesseiros baixos e um único cobertor. Teriam de dormir bem juntinhos, para aquecer-se. Mas, como não eram adolescentes com hormônios à flor da pele, poderiam deitar-se com a roupa do corpo, como todos os outros: Leonardo com uma legging e uma túnica, Fernando de jeans e malha de lã. Haveriam de dividir a cama como dois adultos maduros, que desejam apenas dormir.
Ao pensar nisso, Leonardo não conseguiu evitar o desapontamento.
Fernando abriu o cobertor, sentou-se para tirar as botas e em seguida o encarou.
— Prefere dormir no lado esquerdo ou no direito?
— Oh, eu... No direito, acho.
Como o esquerdo ficava contra a parede, Fernando atravessou a cama, deitou-se de costas, puxou o cobertor e fechou os olhos.
— Não se esqueça de apagar a vela — disse, sonolento.
— Não vou esquecer — Leonardo respondeu, procurando adivinhar se soara tão tolo quanto se sentia.
Fernando tentou manter a fisionomia neutra. A expressão de Leonardo mostrava constrangimento. Não fosse pelo beijo da noite anterior, ele o julgaria infeliz por ter de dividir aquela cama. Mas não era infelicidade o que Leo sentia. Era um misto de desejo e tensão.
Fernando sabia porque experimentava as mesmas sensações.
Tinha certeza de que deixariam o cansaço de lado se trocassem alguns beijos, mas não queria fazer amor pela primeira vez com aquele homem numa casa cheia de estranhos. Queria privacidade, no mínimo vinte e quatro horas ininterruptas, ou talvez quarenta e oito. Mas, acima de tudo, queria que Leo estivesse seguro de seus atos e sentimentos. Saberia esperar.
Leonardo puxou o cobertor até o queixo e deitou-se, imóvel, procurando relaxar. De repente, ele se virou, abraçou-o e beijou-o até senti-lo descontrair. Então, manteve-o junto ao corpo.
— Boa noite — murmurou e adormeceu.
Então era verdade, Leonardo constatou pouco antes de dormir.
Ambos eram mesmo maduros... Tão maduros que o instinto sexual envelhecera a ponto de fazê-los optar por dormir em vez de fazer amor.
Leonardo acordou lentamente, envolto por braços viris, quentes, confortáveis.
— Bom dia — Fernando lhe sussurrou ao ouvido.
— Bom dia — Leonardo respondeu, virando-se para encará-lo.
Seus lábios se tocaram no mesmo instante em que um abraço forte unia os corpos. Leonardo zombou de si mesmo. Que tipo de absurdo havia pensado na noite anterior, sobre instinto sexual envelhecido? Nada naquele homem envelhecera.
Levantou as mãos e fez algo com que sonhara desde que o conhecera: acariciou-lhe os cabelos. Fernando ergueu a frente da túnica e tocou-o gentilmente nos mamilos. Em seguida, apertou-os, segurou os mamilos entre os dedos, e cada célula de Leonardo implorou por mais.
— Papai Noel veio! Vejam, Papai Noel veio!
As vozes das meninas ecoaram no corredor. Com um gemido, os dois se separaram. Depois começaram a rir.
— Feliz Natal — ele sussurrou.
— Feliz Natal.
Fernando deu-lhe um beijo rápido antes de soltá-lo. E disse, emocionado:
— Eu te amo, Leonardo.
O ar estava seco. Fernando encheu os pulmões, inalando o aroma de cedro que vinha da fogueira armada no centro da praça do vilarejo. Apertou a mão de Leonardo, que estava entre as suas, as botas marcando caminho na lama fina. A frente deles, a igreja de quatro séculos e sua cruz de madeira recortavam-se contra o céu escuro da noite.
Num canto, ao lado de uma casa antiga, um barril de óleo, aceso, irradiava calor. Fernando parou e abraçou Leonardo, pressionando-lhe as costas contra o peito. Ficou quieto, imóvel, apreciando o calor que vinha do fogo. E do homem que o acompanhava.
Leonardo também estava quieto. Mantivera-se assim desde que saíra de casa, uma hora atrás. Fernando não teria se surpreendido se Leonardo houvesse recusado o convite para o passeio. Afinal, poderia ter se comportado melhor na manhã anterior. Fora muito impulsivo ao declarar seu amor, mas as palavras simplesmente fluíram, sem controle. Felizmente, Leo não fizera nenhum comentário. Limitara-se a fitá-lo com olhar perplexo.
Leonardo observou a multidão reunida na praça. Aquele horário, um dia antes, a eletricidade voltara e o telefone recomeçara a funcionar. O departamento de estradas de rodagem havia limpado a estrada, e os hóspedes inesperados partiram em seguida. Incluindo Fernando.
Ela acompanhara Marta até a casa vizinha, e ao voltar encontrara, na secretária eletrônica, um recado dele. Pedia que estivesse pronta às oito horas da noite do dia seguinte, pois queria levá-la para assistir às danças de Natal no povoado. Leonardo considerara a possibilidade de dizer não, mas sentira falta de Fernando Herodes e desejava vê-lo de novo.
A distância, o som de sinos e tambores anunciou a primeira dança. A música ficou mais alta quando os dançarinos começaram a entrar na rua estreita que dava passagem para a praça, preparando-se para a Dança da Tartaruga.
Ela conhecia bem o tema. O animalzinho hibernava o inverno inteiro, dentro da casca, à espera da primavera, da mesma maneira como os seres humanos permaneciam em suas casas durante o frio, aguardando que a estação das flores os despertasse para uma nova vida.
Enquanto via as pessoas reunidas em volta da fogueira, Leonardo compreendeu que sua história também era parecida com a da tartaruga. Depois que Victoria crescera, também "hibernara", concentrando-se apenas em si, embora, como o animalzinho, esperasse igualmente que a vida lhe trouxesse uma nova estação. No fundo, buscava o florescer da primavera... e sabia que ela viria na forma de um homem, com quem dividir a existência. Um homem com braços fortes, onde pudesse encontrar conforto e alegria.
Fernando Herodes lhe confessara seu amor com a mesma naturalidade com que fazia tudo na vida. Ele sabia enfrentar os problemas que o destino lhe impunha. Subitamente, Leonardo virou-se para Fernando e sorriu.
— Amo você, Fernando.
Ao vê-lo dirigir-se ao quarto, Leo lhe entendeu as intenções.
Ficou nervoso.
— Eu... estou meio fora de forma em relação a... isso — segredou, sabendo que mentia. Estava totalmente fora de forma.
Fernando lhe lançou um olhar carinhoso.
— Eu sei.
Sabia? Era tão óbvio assim?
— Talvez...
Leonardo esqueceu-se do que ia falar quando as mãos gentis tomaram-lhe o rosto, e os lábios quentes capturaram os seus como na primeira vez. Apaixonadamente. Minutos depois, as roupas de ambos caíam ao chão como folhas secas.
— Estou nervoso como um garoto — Fernando murmurou.
Nervoso! Se, mesmo tenso, Fernando agia daquela maneira ardente, nem sequer podia imaginar como seria quando ele estivesse descontraído!
Naquele momento, porém, nada disso importava. O amor falou mais alto, fundindo corpos e almas.
Leonardo manteve os olhos fechados, saboreando o calor e a maravilhosa sensação do homem a seu lado. Sorriu. As vezes, Papai Noel trazia presentes inesperados. Atendia desejos interiores, e não vontades expressas.
Respirando fundo, Fernando virou-se, sob os protestos dele, e apoiou-se num dos cotovelos. Também sorriu.
— Bem, quer dividir comigo os próximos cinqüenta ou sessenta anos?
"Eu devia saber que o pedido viria logo", pensou Leonardo, tentando desesperadamente manter os olhos abertos e a seriedade. Porque a vontade era rir de felicidade.
— Você promete continuar a ser gentil e romântico?
— Claro! Vou arrumar todos os portões e torneiras e resolver todos os problemas da casa... — Interrompeu-se e riu. — Sabe, acho que solucionei também o problema de Marta.
— Como assim?
— Lembra-se daqueles certificados antigos? Descobri que ainda têm valor.
— Isso quer dizer que...
— Que Marta está rica. Se quiser, pode comprar uma parte da cidade!
Leonardo o fitou, atônito, por um segundo. Depois o abraçou, sem conter a felicidade.
— Oh, mas é fantástico! Você já disse a ela?
— Pensei em fazer isso amanhã. Talvez possamos contar-lhe juntos.
— Que presente de Natal maravilhoso! — Então lembrou que, em sua alegria por Marta, deixara de lado a proposta de Fernando. Sorriu-lhe com ternura. — Tão maravilhoso quanto o meu. — Beijou-o mais uma vez.
— Então já me considera um presente?
— Sim. E pretendo passar meus próximos cinqüenta ou sessenta anos a seu lado.
Outro beijo apaixonado selou o compromisso.
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Perfeito ! (:
ResponderExcluirDeixei para comentar no final, li tudo junto, adorei. Estava passeando pelo facebook e digitei o nome do meu professor da faculdade, apareceu sua foto e visitei seu perfil, vi um comentário seu q tinha terminado uma história e entrei no link do seu blog. Amei a história, mta linda, simples porém tocante. Parei pra pensar q não gosto mto do Natal, mas agora vejo essa data diferente. Invista e insista nesse dom de escrever q vc tem. Abraços e fique com Deus
ResponderExcluirMuito bom! Adorei =)
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