terça-feira, 29 de novembro de 2011

Um Presente de Natal - 2º Capitulo

Quero torta de maçã e café disse Leonardo, fechando o cardápio.
   O garçom escreveu o pedido no bloco de notas.
   Gostaria de creme no café?
   Sim, por favor.
   O rapaz fez a anotação, recolheu os cardápios e saiu.
   Leonardo olhou para Daiane Mendes.
   Como vai sua dieta?
   Bem, na última semana perdi os quilos que faltavam.
 Mas nesta ganhei-os de novo. Na verdade, a vida é muito breve  para a gente comer só saladas.
   Leonardo riu, acompanhada pelas amigas. Ex-colegas de faculdade, reuniam-se toda segunda quinta-feira do mês para conversar...  e comer tortas.
   Vocês se lembram de Marta Medeiros?
   Claro que sim. Por quê? indagou Paula Oliveira.
   Ela corre o risco de perder a casa por causa de impostos  atrasados.
   E então Leonardo contou toda a história.  Quando  terminou, Biatriz Lopez exclamou, perplexa:
   Que coisa horrível! Como foi que aquele monstro do coletor pôde mandar uma carta assim?
   Acho que quis pôr ordem na casa, cobrando os impostos que o antecessor  deixou de arrecadar. Mas não foi ele quem escreveu a carta. Pelo jeito, nem mesmo a leu antes de enviá-la.
Nem sequer sabia o que continha.
   Bem, mas devia saber.
   Com certeza concordou Leonardo.
   Depois de mais algumas considerações sobre Fernando Herodes, as quatro amigas começaram a falar sobre os planos para o Natal. Os quatro filhos de Paula e os dois de Daiane passariam a data em casa. Os de Biatriz moravam com ela. Leonardo seria o único a comemorar sozinho.
   Como foi seu encontro com o dr. Sweet, querido? Paula lhe perguntou.
   Não houve encontro nenhum. Eu me recusei a sair com ele.
   Por quê? quis saber Daiane, surpresa. Ela, Paula e Biatriz ainda estavam casadas com os primeiros maridos e, como a maioria das esposas felizes, julgava que o amigo também devia sê-lo.
   Porque ele é um homem de trinta e dois anos que pensa como um garoto de doze. E eu já tenho uma filha para criar. Não pretendo educar outro.
   Paula a fitou, espantada.
   Você não contou a ele sua idade,  contou?
   Costumo dizer, a  quem pergunta, que estou mais perto dos quarenta do que dos trinta anos falou Biatriz. Ainda não consigo admitir que já caminho para os cinqüenta.
   Eu não me  importo  em revelar isso afirmou Leonardo, sorrindo.
   E quanto ao dr.  Cooter? indagou  Daiane.  É um homem mais velho, mais maduro.
   Biatriz fez uma careta.
   Velho demais. Não creio que seja adequado a Leonardo.
   Já sei! exclamou Paula, triunfante. O dr. Richwine seria ideal para você, querido.
   A sugestão foi rejeitada pelas outras.
   Mas que idéia! protestou Biatriz. Ele já passou dos setenta.
   De mais a mais acrescentou Leonardo , já decidi que nunca mais sairei com homens cujo manequim seja menor do que o meu.
   E quanto a Carlos Andrade? questionou  Paula. Ele provavelmente estará na festa do  departamento  esta noite, e tenho certeza de que o convidará para sair se você lhe der um pouco de atenção.
   Andrade fará isso mesmo que Leonardo não olhe para ele, pode apostar murmurou Biatriz.
   Não se esqueçam de que ele é o clínico geral insistiu Paula.
   Vocês acham que devo ir para a cama logo no primeiro encontro? perguntou Leonardo, com um sorriso irônico. Na verdade, se saísse com Andrade seria praticamente obrigado a isso. Descasado pela terceira vez, procurava encontrar a  quarta vítima,  isto é,  marido. Falando na festa de Natal disse, consultando o relógio , é melhor nos apressarmos. Começa em menos de uma hora.
   Tenho  certeza  de que acharemos  o  homem certo para você, querido, um homem gay e descente. falou Daiane, recusando-se a dar o assunto por encerrado. Vamos  ver... Que qualidades ele deve ter?
   Precisa ser honesto, sincero e confiável, claro.
   E ter senso de  humor.
   Deve ter bom coração e trabalhar  duro.
   — Trabalhar muito “duro”, diga-se de passagem. Reafirmou Daiane.
   Ter uma vida financeira estabilizada.
   Filhos já crescidos ou não ter filhos de preferência disse Biatriz.
   E uma bela aparência acrescentou Paula.
   De acordo falou Daiane.
   Não pode ser totalmente careca afirmou Biatriz.
   E deve ter muita vitalidade  disse Daiane,  com uma expressão maliciosa.
   Além disso, precisa concordar em assinar um termo pré-nupcial acrescentou Paula. Leonardo tem de proteger o que é seu.
   Não sei se vou querer assinar algum documento interveio Leonardo. Reconheço que é necessário, como garantia, mas por outro lado parece falta de confiança no parceiro. E, francamente, estou muito pouco interessado na parte financeira do casamento. Prefiro um homem que concorde em  pintar a casa,  cuidar do jardim e fazer todos os consertos domésticos. Esperou as amigas pararem de rir para acrescentar, divertido: Bem, quando vocês encontrarem esse homem maravilhoso, avisem-me. Ao menos uma vez na vida, eu gostaria de ter um romance selvagem, tão quente que fizesse a cama derreter.
   Embora a frase tivesse sido dita em tom de brincadeira, Leonardo percebeu que era isso mesmo o que queria. Então concluiu que não precisava de  um clínico geral. Precisava de  um psiquiatra.

   Fernando fechou a porta de seu armário, na academia de ginástica.
   Aonde você e o Felipe vão esquiar neste Natal?
   Carlos Andrade travou o cadeado.
   Não vamos.
   Fernando fitou o melhor amigo com ar de surpresa.
   O que aconteceu? Pensei que o relacionamento de vocês dois fosse sério.
   O médico deu de ombros enquanto guardava a luva de handebol na sacola.
   Não sei. Ultimamente não venho dando sorte com os homens.  Parece que basta tocá-los para que eles fujam de mim.
   É mesmo? indagou Fernando, bem-humorado.
   Carlos deu-lhe um sorriso desgostoso.
   Exatamente. Fechou o zíper da sacola e começou a caminhar para a porta do vestiário. Não sei, companheiro. Os homens dizem querer um homem de boa aparência, excitante e inteligente, quando na verdade o que desejam é  alguém que os ame, respeite e proteja.
   Na maioria das vezes, eles querem tudo isso numa mesma pessoa.
   Tem razão. Mas quer saber de uma coisa? Mais cedo ou mais tarde, os gays vão preferir os machistas tolos e egoístas.
   Não aposte nisso, parceiro.
   Carlos riu.
   E quanto  a você? Planejou alguma coisa para o Natal?
   Vou para  a casa de minha irmã, em Gallup.
   Não estava saindo com Márcio Madera?
   Saímos algumas vezes. Fernando deu de ombros  enquanto abria a porta da caminhonete. Porém não aconteceu nada de especial.
   O amigo o fitou, desconfiado.
   Por quê? Ele é  um homem culto, agradável, maduro...
Parecia perfeito!
   E era. Perfeito demais. Metódico demais. Eu não me sentia à vontade. Ele é do tipo que nunca suja as mãos, sabe?
Não gosta de acampar, cuidar do jardim, lavar o carro... Coisas simples, mas importantes numa vida a dois.
   Ei,  você não acha que está exigindo  muito?
   Não, não acho. Quero um companheiro, não uma boneca enfeitada. Pensou por um instante. Quero um homem para quem a cozinha não se reduza ao microondas.
   Que machista, hein? Rindo, Carlos consultou o relógio.
Daqui a pouco começa a festa do departamento. Olhou para Fernando. Ei, você pretende fazer alguma coisa esta noite?
   Por quê?
   Preciso de um pequeno favor. Por meia hora, no máximo. Não era verdade, mas Carlos não se incomodou em mentir por uma boa causa.
   Não posso acreditar que o deixei fazer isso comigo! protestou Fernando.
   Pare  de  reclamar.  Você parece um disco  quebrado Carlos respondeu, passando cola no rosto do amigo. E me ajude a segurar isto, droga! Pressionou a sobrancelha postiça e branca, para que  ficasse bem presa.
   O  que você está tentando fazer, estragar meu rosto? Lançou ao outro um olhar de suspeita. Isso depois sai, não é? Não vou ficar com essa barba  grudada durante uns  seis meses, vou?
   Francamente Herodes, nunca pensei que você pudesse ser tão chato. Carlos balançou a cabeça, com ar desaprovador, enquanto colava a outra sobrancelha. Então pegou o gorro vermelho, com um pompom branco na ponta. Segure! ordenou enquanto tentava prendê-lo.
   Fernando se contorceu, procurando aliviar uma súbita coceira.
   Não posso. Essa maldita roupa cheira a mofo e está cheia de pulgas!
   Não está cheia de pulgas coisa nenhuma, e cheira a naftalina. Agora, segure.  Levantando a enorme barba branca, prendeu o elástico do gorro  sob o queixo do amigo, ajeitou-o e finalmente  se afastou, avaliando o resultado.   Aí está. E o melhor que posso fazer com o modelo que tenho  em mãos.
   Ora! Mais respeito comigo seu corno!
   Fernando levantou-se da cadeira e foi até o espelho pendurado sobre a pia. Mexeu no gorro, experimentando colocá-lo mais à direita e depois à esquerda.
   Pare com isso, ou vai estragar o penteado.
   Foda-se.
   Que coisa mais feia, Fernando. Papai Noel nunca usaria uma expressão como essa. Riu.
   Por que você não faz o papel do bom velhinho? Fernando perguntou, acusador, enquanto se dirigia à porta.
   Já lhe disse: porque sempre fico cuidando dos cachorros-quentes. E preparar cachorros-quentes é uma arte. Exige uma habilidade que você não tem respondeu, dando um tapinha na almofada que fazia as vezes de barriga em Fernando.

   O olhar de Leonardo percorreu a sala decorada até alcançar a fila de crianças que esperavam para sentar-se no colo de Papai Noel. A despeito da torta e do creme, decidiu ir até o carrinho, pegar dois cachorros-quentes. Carlos Andrade tinha um jeito especial de prepará-los. Depois, encontrou uma mesa vazia e se sentou. Segundos mais tarde, Suzana Komadine juntou-se a ela.
   Olá, Suzana.
   Olá, Leonardo.
   A última criança pulava do colo de Papai Noel quando ambas terminaram o lanche. Tradicionalmente, era o momento de os adultos fazerem seus pedidos ao bom velhinho. Leonardo esperou que alguém fosse até ele, mas ninguém tomou a iniciativa.
   Bem, acho que este ano serei a primeira a falar com Papai Noel disse à amiga, que falou algo incompreensível enquanto mastigava. Voltarei num instante.

   Fernando decidira esperar mais um pouco, caso alguma criança ainda quisesse fazer pedidos ao Papai Noel. Jamais admitiria a Carlos, claro, mas havia gostado muito da brincadeira.
   A bênção.
   Ele se virou para o lugar de onde vinha a voz masculina no momento em que Leonardo Ravagnolli sentou-se em seus joelhos. Carlos já lhe contara que ele fazia parte da equipe que dirigia o departamento de tecnologia médica. Também dissera que os homens, ali, sentavam-se todos os anos no colo de Papai Noel, para fazer seus pedidos. Fernando rira, julgando isso uma piada.
Agora percebia que não era.
   Decidiu ficar em silêncio. Não queria arriscar-se a ter uma nova discussão com Leonardo. Jamais poderia imaginar que ele pensava estar junto ao marido de Paula, que tradicionalmente vestia a roupa do bom  velhinho.
   Paula me disse que o senhor estava com laringite, dr. Dan. Pensei que isso o impediria de participar da festa. Ainda bem que me enganei. Colocou um braço em volta dos ombros de Fernando. As crianças deram muito trabalho este ano?
   Ele fez um gesto negativo com a cabeça e murmurou algo em voz  baixa. Leonardo só conseguiu captar duas palavras.
   Oh, não diga nada, por favor. Poupe sua garganta. Deixe a conversa por minha conta. Sorriu. Sabe, comprei uma casa nova. Victoria, minha filha, não vai passar o Natal comigo. Só poderá vir para cá no mês que vem. Quem sabe até lá eu consiga  desempacotar as coisas e colocá-las em ordem!
   Fernando a princípio espantou-se, mas depois achou melhor que ele não  o  tivesse reconhecido.  Tinha a impressão de que, se lhe contasse quem era, Leonardo sairia dali como um gato selvagem, e as crianças não entenderiam por  que alguém ficaria com tanta raiva de Papai Noel.
   Deixe-me lembrar... O que o senhor sempre me pergunta? Ah, seja encontrei o homem certo. Não, ainda não. Suspirou.
Sabe, eles são gentis  e  românticos, mas não me atraem muito. Eu gostaria de conhecer alguém que gostasse de dividir comigo os serviços de casa, que apreciasse caminhar nas montanhas, sentar em frente à lareira... Alguém com quem dividir os sonhos. E a vida. Entende?
   Leonardo fitou-o  mais de perto e sentiu-se  culpada. Pobre Dr. Dan... Estava tão cansado que mantinha a cabeça abaixada. Não conseguia nem mesmo ver-lhe os olhos.
  Bem, tenho de ir. O senhor deve voltar para casa. Deixe que Mamãe Noel lhe prepare um chocolate quente e o coloque na cama. Inclinou-se e beijou-lhe o rosto. Feliz Natal, Papai... Por um breve segundo esteve perto dele o suficiente para perceber que aqueles olhos não eram os do Dr. Dan. Reconheceu-os de imediato. Você! exclamou furioso, começando a se levantar.
  Foi então que um braço forte a segurou pela cintura.
  Trate de se comportar. Como espera que eu explique a esse monte de crianças que você resolveu fugir de Papai Noel e está gritando com ele?
  Não gritei ele respondeu, com fria dignidade. Só não entendo o que veio fazer aqui.
  Acontece que o Dr. Dan Oliveira ainda está doente, e Carlos me pediu para substituí-lo. Eu não sabia que você estaria aqui e que resolveria conversar com Papai Noel. É tudo.
   Carlos Andrade? Eu devia saber que vocês dois se conheciam. Leo sussurrou sarcástico. Por que não se apresentou quando me aproximei?
   Você me pediu para não dizer nada, lembra? De todo modo, tive medo de que, ao saber da verdade, você fosse ficar irritado e estragasse a festa. Por isso, decidi manter a boca fechada. Esperava, com um pouco de sorte, não ser reconhecido.
   Parece que sua sorte o abandonou. Agora tire essas mãos de mim, seu... Monstro!
   Fernando obedeceu de imediato. Leonardo se levantou e se afastou como um raio.

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